quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Último Trago

                                                   Último Trago



Fazia sol, o sábado estava quente demais, mas essa é uma das situações perfeitas para o Carlos, um senhor de 55 anos, magro e com os cabelos grisalhos, tomar sua cerveja enquanto espera o começo da partida de seu time do coração, principalmente porque sua esposa conhecida no bairro como Dona Mara, com seus aparentes 50 anos de cabelos negro cacheados e seus mórbidos 160kg, estava no salão de beleza tentando manter uma imagem jovial.
Como de costume Carlos já havia ajeitado sua cadeira de praia na laje com seu isopor cheio de latas e uma mesinha para apoiar sua tv de 30 polegadas. O jogo já estava para começar, a emoção cresce dentro de Carlos por conta de seu fanatismo, seu time começa bem a partida o que tranquiliza Carlos, mas mal sabia ele que a tranquilidade não duraria mais 45 min, pois no intervalo da partida ele começa a ouvir uma gritaria vinda da rua, quando levantou para ver o que acontecia, notou sua grande esposa vindo em desespero para casa com um pano enrolado no braço.
Carlos rapidamente desceu as escadas da laje para abrir o pequeno portão que batia em sua cintura, sua esposa entrou correndo com um olhar de espanto e nojo ao mesmo tempo.
- Ele me mordeu
- Quem te mordeu mulher?
- Um mendigo todo esfarrapado, sujo de sangue e que fedia a morto, que nojo.
- Calma minha véia, a gente limpa isso rapidinho
E entrou com a Dona Mara para fazer o curativo, já no banheiro quando ele desenrolou o pano e viu que era uma bela mordida, pois aparentemente estava faltando um grande pedaço daquele braço gordo.
- Nossa amor, ele arrancou um bom naco do seu braço, vou ligar para nosso garoto, pois acho que terei que te levar para o hospital.
- Sem hospital, odeio ficar horas esperando para ser atendida naquele açougue.
Após ouvir a negativa de sua mulher, Carlos começou a fazer o curativo.
-- Como arde esse maldito mertiolate.
-- Calma minha redondinha antes de casar sara.
-- É porque não é o seu braço.
Mas por mais que Carlos jogasse o medicamento, a ferida era muito grande e o sangramento não estancava
--- Sinto em te informar, mas vamos ter que ir no hospital, não está dando jeito isso aqui não.
Após essas palavras, Dona Mara começa a arder em febre e desmaia.
-- Amor, amor, acorda. Eu sei que está doendo e que está bem feio isso, mas não apaga não.
E começa a dar uns tapas para que ela acordasse, mas não surtiu nenhum efeito.
-- Vou ter que ligar para o garoto vir ajudar.
Carlos começou a ligar para seu filho. Após algumas tentativas o telefone só chamava e caia na caixa de mensagens.
-- Que droga que ele não atende, vou ter que carregar ela sozinho.
 Ele tentou arrastar o corpo de sua amada, mas não aguentou os 160kgs nem por três metros.
- Vou ver se o Zé me ajuda.
E largou o corpo imóvel de sua obesa esposa na sala da pequena casa.
Ele foi até o vizinho que não estava em casa, mas ficou assustado ao ver que os nóias, que até era normal circularem por ali, estavam atacando qualquer pessoa que passava pela rua e ficou horrorizado com a cena de cinco deles em cima de uma senhora que volta da vendinha com uma sacola de compras. Carlos voltou correndo para sua residência, já em sua casa ele levou um susto ao ver que sua mulher não estava mais deitada na sala.
-- Marinha, onde você está.
E não houve uma resposta a não ser um gemido vindo da cozinha, ele vai até a cozinha e se depara com sua esposa comendo o cachorro da família.
--O que você está fazendo, ficou louca.
Dona Mara só olha para ele com o corpo do cachorro na mão e volta a enfiar os seus dentes no animalzinho que já estava morto. Em pleno desespero Carlos sai e tranca a porta da cozinha com medo de sua mulher.
- Ela enlouqueceu, como pode comer o bichinho?
Ele pega o celular e tenta ligar novamente para seu filho e novamente o telefone só chama e nada de atender ele continua tentando até que um barulho forte o fez largar o telefone. A porta da cozinha, que não era resistente, começou a ceder e a cada investida de sua mulher a porta fraquejava mais e mais.
- Se acalma amor
E conforme ele falava mais barulhos na porta ele ouvia
- Não pode ser a febre, ela estava desmaiada sem reação e de repente ela está almoçando o cão.
Quando ele ouve outro som, agora vindo de fora de sua casa, o portãozinho havia cedido e meia dúzia de nóias todos sujos de sangue invadem o quintal de Carlos que correu para trancar a porta.
- Saiam daqui seus merdas, vou chamar a polícia.
Mas aquela meia dúzia de esfarrapados sangrentos continuaram avançando em direção a porta de entrada da casa, Carlos corre para fechar a porta, mas não consegue já que um braço o impede, ele força a porta contra aquele braço até que escuta o estalo de osso quebrando, mas aparentemente isso não abalou o dono do braço. Ele continua forçando a porta até que o osso quebrado rasgue a péle e nada do que ele faça parece surtir efeito sobre o viciado, depois de tanto forçar a porta, o braço que já estava com a pele rasgada cai nos pés de Carlos e enfim ele consegue fechar a porta
-- Que droga esse povo está usando agora, eles não sentem dor, o mundo está acabando
O choque, o medo, o fedor de podre e o antebraço caído em sua frente, tomam conta de sua mente e só aumenta com os barulhos vindos da porta de entrada e da cozinha. Não há conversas, só grunhidos de ambos os lados, nada parece real, tudo chega a ser um grande pesadelo escrito e dirigido por Zé do Caixão, nesse estupor da mente Carlos só consegue pensar em ligar para seu filho, mas como antes só da caixa de mensagem.
-- Não é possível o Cleiton não atende a uma ligação.
Em meio a seu tumulto mental ele não percebe que a porta da entrada está prestes a ceder com a preção feita pelos nóias e a da cozinha não está diferente. Mas sua mente volta ao normal ao ouvir um grito de Gol vindo da laje, ele em um sentido visceral corre para seu quarto que fica no segundo andar de seu sobrado.
Já dentro do quarto, Carlos ouve uma das portas estourarem e o grunhido junto com um cheiro de carne podre, pior que mil ratos mortos, tomarem sua residência, ele se tranca em seu quarto enquanto procura algo para sua defesa, já que esses drogados estão mais abusados e persistentes do que nunca, enquanto tentava achar seu porrete dentro do armário Carlos ouve a outra porta estourar, agora era a da cozinha e sua mórbida esposa com certeza havia derrubado a porta com seus leves 160kgs.
Os passos começam a tomar a escada, mas estranhamente nenhum deles vai em direção ao quarto e sim para a laje onde a tevê transmitia o jogo, dentro do armário ele se depara com seu antigo e principal inimigo, um maço de cigarro lacrado e um isqueiro.
-- Quer saber foda-se
Carlos ascende um cigarro e guarda em seu bolso, mas não acha seu porrete.
--Essa mulher deve ter jogado fora, só pode.
Mas a necessidade de se defender era maior, então ele enrola um cinto em sua mão direita deixando a grande fivela de rodeio pendurada a sua frente.
--Isso vai ter que servir  
Ao olhar pelo buraco da fechadura ele percebe um número bem maior de pessoas que invadiram sua casa, mas o fluxo que subia pela escada havia parado e todos eles se concentravam na laje. Carlos abre a porta, todos aqueles seres podres olham para ele e começam a caminhar lentamente em sua direção, ele acerta uma fivelada com violência em um corpo que estava tampando seu caminho, tão forte foi a pancada que arrancou o maquixilar da coisa que estava em sua direção.
Carlos desce correndo as escadas e vai direto para a cozinha, ela era pequena, mas dava tranquilamente para a familiar se reunir para uma refeição, ele vê muito sangue e só pedaços de pele de seu animalzinho destroçado.
-- Chega vou dar um basta nisso  
Ele joga a bituca de cigarro no chão e começa a puxar o fogão, o barulho de corpos caindo pela escada não intimida seu plano, já com o fogão virado de lado ele puxa a mangueira do gás e deixa ele se espalhar pela cozinha. Carlos se senta em um canto, faz uma barricada com a mesa e acende outro cigarro esperando os seres podres invadirem sua cozinha, mas para seu espanto sua esposa gorda e agora com uma coloração cinza é a primeira a entrar seguida por diversas outras pessoas.
Carlos se levanta com o cigarro em uma mão e o isqueiro em outra e fala.  
-- Vem meu amor, vem me dar um último beijo.
 Quando a criatura enorme se próxima, ele dá um último trago, joga o cigarro fora e faz um bico para receber o beijo, sua esposa o agarra e ele a abraça, mas em vez de dar um beijo ela arranca parte de seus lábios. Já com a boca sangrando ele grita
-- Vamos juntos meu amor.
 E risca o isqueiro para um grande espetáculo de fogos.





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