terça-feira, 20 de outubro de 2015

                                       Contos de sampa midnight

                                                            48 horas

O ambiente era apertado, mas Cleiton não era exatamente um homem grande, com menos de um metro se sessenta e cinco centímetros de altura, ele conseguia se esticar com folga no chão do banheiro, como só ele estava lá, o chão estava limpo e não fedia a latrina. Acordado por um raio de sol que começou a esquentar o seu rosto, ele já não escutava mais gritos e nem os gemidos que antes dominavam o andar da empresa de telemarketing para a qual trabalhava.
O estado de choque por causa dos minutos arrepiantes e surreais já passara, não sentia mais náuseas por causa do cheiro de sangue e de carne putrefata ou pelo menos era o que ele achava, o sol estava entrando pela pequena janela lateral de onde Cleiton conseguia ver um pedaço mínimo da rua, com sorte ele conseguia enxergar uns dez metros de calçada e parte de uma piscina do condomínio ao lado.
--   Caralho como eu sou cuzão, eu poderia ter deixado pelo menos uma pessoa entrar. E os pensamentos negativos pela forma como ele segurou a porta evitando que seus colegas de trabalho se salvassem assim como ele.
-- E minha família, como está? eu esse bostinha não consegui nem pensar neles , sou um filho de uma puta egoísta.
E motivado por esse pensamento, ele resolve abrir a porta e encarrar o mundo. Antes de sair Cleiton enche sua garrafa com água da torneira e pega a parte de cima da privada onde fica o botão de descarga para usar caso ele seja atacado pelos canibais que invadiram o prédio. Ele estava no sétimo andar, no dia a dia não era muito, mas diante aquela situação parecia ser o centésimo andar. Cleiton abre a porta do banheiro e aquele barulho característico de uma porta abrindo se espalhou pelo andar , A visão parecia muito com as de um filme de guerra após uma grande batalha, sangue e pedaços de corpos espalhados compunham o ambiente como os computadores e read-fones faziam em sua rotina, após os primeiros passos ,Cleiton voltou a sentir o enjoo  e não conseguiu se segurar espalhando bílis por cima das partes mortais que estavam irreconhecíveis , poderia ser uma perna feminina ou um braço masculino.
Em total silencio Cleiton segue até a porta mais próxima para o hall do andar, que se encontra totalmente vazio a não ser pelas poças de sangue no chão e diversas marcas com manchas vermelhas na parede e na porta da escada de emergência. Cleiton aperta o botão para chamar o elevador mas repara que o prédio está sem luz e sua única saída era a escada. Sem gostar muito da ideia Cleiton abre a porta da escada, que está totalmente escura. Um arrepio repentino sobe por sua espinha ao notar a escuridão que tomava os sete andares que lhe restavam para descer. Sem muitas opções ele começa a descida, que ele fizera por anos, mas agora era diferente, com passos leves, logo ele estava no meio do sexto andar para o quinto, quando o silencio na escuridão é quebrado por um gemido - AHURGGGG.
- Caralho que merda é essa, parece vir de alguns andares a cima.
- Ei tudo bem?
- AHURGGG, AGHURRRRRR
- Parece mais de uma pessoa, esse gemido pareceu bem feminino.
Em um misto de medo e agonia, Cleiton tenta se encorajar a subir a escada.
- Calma eu vou ajudar vocês.
Os gemidos parecem se aproximar, quando um barulho de algo rolando pelas as escadas começa a ficar cada vez mais alto e cada vez mais alto e de repente com os seus olhos quase acostumados a escuridão, Cleiton só tem tempo de tirar o corpo da frente, do que parecia ser um homem rolando a escada, após mais alguns andares ouviu o corpo bater forte contra a porta do térreo.
--O cara se matou nessas
Cleiton acelera sua decida para ver se o que aconteceu com o homem, ao aproximar-se do térreo, ele escuta outro gemido vindo do corpo arrebentado.
- Ele está vivo, mas deve ter se quebrado todo.
Ao ver o corpo todo torto, com a cabeça praticamente envolta em sua perna esquerda, Cleiton sabe que o cara teve uma fratura na coluna, no estado em que o corpo estava não precisa ser nenhum médico para ver isso.
-Calma amigo eu vou ajudar.
Com a perna direta o homem começa a arrastar-se em direção de Cleiton.
- Para cara, vai piorar sua situação.
Quando Cleiton chega próximo ao homem que vestia uma camisa de botões branca com uma mancha vermelha bem na parte do baço e uma calça de linho preta. O corpo destruído agarra sua perna com força e sem sucesso tenta levar sua boca em direção a canela de Cleiton, mas seu pescoço quebrado não permite tal movimento.
- Me larga cara, o que você tá fazendo? Me larga porra, tá machucando.
Ao ver que o homem não soltava sua perna e continuava sua inútil luta de levar sua cabeça a canela de Cleiton.  Cleiton puxa a perna, mas o homem não à solta, então Cleiton pisa em cima do braço do moribundo no chão e consegue tirar sua perna das garras do ser que estava no chão.
Os gemidos estavam quase a um andar quando Cleiton resolve não pagar para ver.
- A que se foda, eu acho que esse cara é um dos canibais, vai saber se essas pessoas que estão descendo também não são do mesmo jeito.
Pulando o corpo que estava em sua frente, ele abre a porta que o separa do hall de entrada do prédio, com a iluminação do dia, Cleiton vê que o homem estava tão ensanguentado que ficara uma marca de sangue por onde o corpo se arrastou e antes que pudesse fechar a porta uma mulher  de aparentes um metro se setenta e cabelos negros vestindo um terno feminino muito chique, mas era difícil dizer qual idade tinha com metade da pele do rosto arrancada como se tivesse sido puxada por um alicate , não era um corte cirúrgico ,os nervos e músculos estavam expostos e seu globo ocular direito parecia que iria saltar a qualquer momento, começou a ir em sua direção . Cleiton, em estado de choque, fechou a porta e parou para respirar e pensar sobre o que vira alguns instantes estantes
-Puta que pariu, o cara estava todo zoado e ainda sim se arrastou por volta de um metro e essa tia   com o rosto todo fudido estava como se nada tivesse acontecido.
Quando ele escuta um tapão na porta contra incêndio da escada, e outro tapa, ele se afasta da porta e vê a maçaneta reta da porta baixar, a mulher sem rosto começa a sair e ir em direção ao rapaz.
- Olha, minha senhora, o máximo que eu posso fazer e chamar um médico.
-AHGURRRRRRR
-Não chega perto, eu to avisando, fica aí que eu vou chamar um resgate, fica ai porra.
A mulher reage como uma planta reagiria a um grito e continua indo em direção a Cleiton, ele levanta a parte da cerâmica que pegou da privada e a posiciona como um porrete.
- Eu vou bater com isso na senhora
Que por sua vez continua ignorando os avisos e chega perto o bastante para agarrar Cleiton com as duas mãos, em um reflexo Cleiton acerta a tampa da descarga na cabeça da executiva, o olho direto salta com a pancada e a mulher que cai sem mais nenhum movimento.
-Porra agora fodeu, matei a filha da puta, o olho dela rolou uns vinte metros pelo hall, mas eu avisei a ela.
Em meio aos lamentos Cleiton nota a porta de incêndio se abrir de novo.
-Eu que não vou ficar para ver o que vem por aí. E vai em direção a saída, são duas portas de vidro, mas parece que alguém ou alguma coisa passou pelo meio da porta da esquerda sobrando só os vidros quebrados da parte de cima
Sem pensar duas vezes Cleiton atravessa a porta e sai para rua, tudo estava aparentemente normal, a rua vazia, mas para um domingo era de se esperar. Ele ´vai até o ponto de ônibus, já que sua casa ficava a mais ou menos uma hora de caminhada.
Já no ponto, pela primeira vez no dia Cleiton lembra-se de seu celular, quando ele olha a hora outra coisa lhe chamou a atenção, e não era por ser sete e meia da manhã, mas por ser sete e meia do amanhã da segunda feira e mais de cinquenta ligações não atendidas -- Eu apaguei dois dias, e meu pai me ligou freneticamente, após isso Cleiton tenta repetidamente ligar para casa e o telefone ó chama e o celular de seu pai só dá caixa postal direto. O que será que está de fato acontecendo, ninguém atende e para uma segunda está tudo muito parado, após meia hora esperando pela condução, Cleiton percebe que não terá condução, muito menos um taxi, e se ele quiser chegar em casa será a pé.
--Bom vamos lá, uma horinha de caminhada e eu to em casa.
Cleiton começa seu caminho voltando pela rua de seu trabalho, já quase na metade da rua ele nota um acidente de carro, pelo que parece alguém estava muito rápido e a rua onde ele trabalhava era longa mas estreita de modo que só um carro passava apesar da rua ser mão dupla. Após notar vários amassados e riscos nos carros que estavam estacionados na rua, Cleiton se aproxima do acidente e menos de dez metros do carro, nota um movimento dentro do veículo.
Ao se aproximar, uma criança dá um forte tapa no vidro ensanguentado, era uma menina negra com os cabelos começando a formar um Black Power idade aparente de sete a nove anos, a menininha começa a esfregar seu rosto freneticamente no vidro traseiro do que parecia um gol bolinha, pela força que ela fazia dava a impressão que iria arrancar o vidro com a cabeça, e ela continuou a esfregar e a bater a cabeça no vidro como um animal preso.
Após alguns segundos olhando para aquela cena de filme de terror, Cleiton ouve algo se movendo atrás dele , quando  vira e vê três pessoas, a mais ou menos cinquenta metros, andando com extrema dificuldade em sua direção , um era um rapaz sem camisa com diversas lacerações pelo tronco, vestindo com um calção preto e meiões vermelhos como se tivesse saído de uma partida de futebol no inferno, o outro um senhor alto e calvo aparentando uns cinquenta anos vestindo uma saída de banho e a terceira era uma senhora com seus setenta anos, óculos pendurados no pescoço, cabelos brancos e sem um pedaço do braço direito.
Cleiton em um impulso humano começou a correr, após ver o trio que se aproximava- Porra está todo mundo louco nessa merda.- Ele saiu em disparada meio atordoado por tudo que estava acontecendo. Passou correndo pelo meio dos bancos de uma pracinha próxima e continuou correndo por mais de cem metros pela rua de baixo e só quando parou para respirar notou como estava a rua. O posto de gasolina vinte e quatro horas havia explodido e levado o quarteirão com ele, ainda saia fumaça do enorme buraco que abriu, os comércios estavam praticamente todos fechados, exceto por uma loja de roupas, com todas as vitrines quebradas
Ele teria que contornar a rua, já que aquele era seu caminho, mas não conseguiu ignorar o fato de ver aquela jaqueta que tanto quis, ali solta em um manequim e ninguém em um raio de quilômetros para ver ele pegar seu sonho de consumo para o final daquele mês. Não se conteve e foi em pegar seu tão querido Jacó, tirou com todo o cuidado do manequim, mas na hora que experimentou teve uma surpresa, o maldito jaco ficou muito grande em seu corpo, a loja estava vazia então Cleiton resolveu entrar para procurar um do seu número, já que não teria outra oportunidade te ter uma peça quem nem essa e de graça. Já dentro da loja ele começa a procurar pela vestimenta, mas estava uma zona de roupas, camisetas, bermudas e calças jogadas pelo chão, três gondolas contento peças intimas bloqueavam o caminho de uma porta.
-       Essa parada deve estar no estoque, que deve ser atrás dessa porta.
E começou a tirar as gondolas do caminho, quando ele puxou a última gondola a porta se abriu e viu uma mulher de seus aparentes 55 anos com uma arma na mão apontando direto em sua cabeça.
-       Fala desgraçado, fala alguma coisa.
-       Ok eu falo, respondeu Cleiton.
A mulher meio tremula fica olhando diretamente nos olhos de Cleiton, foram segundos, mas pareciam horas. Até que ouve uma voz masculina vindo do fundo da sala.- Traz ele para cá.
Ao ouvir isso a mulher que continua apontando a arma recua e abre espaço para a passagem de Cleiton, que meio ressabiado hesita em passar pela porta
-       Anda logo, se mais daquelas coisas voltarem estamos mortos.
Cleiton então se apressa e passa pela porta que é fechada rapidamente pela mulher. Dentro da sala que mais parecia uma cozinha para funcionários se encontram 4 pessoas. Três mulheres com as camisas de vendedoras da loja e um senhor de idade aparentando seus 65 anos, todos estavam fedendo a suor assim como o cômodo.
-       O que vocês estão fazendo aqui? Pergunta Cleiton
-       Estamos nos escondendo ou você ainda não percebeu o que aconteceu?
-       O que aconteceu?
-       Você é meio lento né? Já pode soltar esse pedaço de privada na mão.
De tão tenso que estava, Cleiton não notou que ainda segurava sua arma improvisada na mão  
-       O mundo acabou, tudo o que você conhece acabou.
-       Pare de assustar o rapaz, ele parece perdido.
-       Mas é a porra da verdade Sr. Paulo.
-       Estou tentando voltar para minha casa, preciso falar com meus pais, eles ligaram mais de 50 vezes.
-       E porque você não atendeu?
-       Eu estava desmaiado dentro de um banheiro.
-       Você deve sorte, se não tivesse desmaiado já estaria morto ou pior vagando por aí sem rumo, como essas coisas fazem.
DUM DUM DUM.
Todos pulam para trás ao ouvir as batidas vindas de outra porta que dava para o estoque
-O que é isso – pergunta Cleiton
- É, minha senhora, responde Paulo.
- E porque ela está trancada aí?
- Ela foi mordida por um cliente que não queria roupas.
- E daí que ela foi mordida?
- E daí que ela veio a falecer
- Mas ela não parece estar morta
- Sim e esse é o problema, eles levantam e com fome, fome de carne humana.
 - Tá mais eu tenho que voltar para minha casa meu pai e minha mãe já devem estar preocupados.

- Não filho, seu pai e sua mãe já devem estar mortos.

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