terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Dupla Improvável


                                   


O domingo era chuvoso, mas quente, o clima estava abafado e a temperatura dentro da residência teimava em não diminuir, com as janelas fechadas e as cortinas cobrindo a visão da rua, só se ouvi os gemidos e o ranger do grande portão. Daniel já não aguentava mais essa situação, mesmo sabendo que era sua única escolha, a impaciência aumenta a cada olhada em seu WhatsApp com sua mensagem não visualizada, já fazia mais de sete horas a última vez que seu pai havia respondido.
Ele soube com a primeira notícia de quinta-feira que o mundo mudara, tudo parecia como nos filmes que ele era fã, mas como sempre a família achou que era mais uma paranoia de algum blogueiro ou de algum site de cristãos extremistas, e não deixaram de ir para o litoral. Daniel estava sozinho a própria sorte, mas como informação é tudo, sua sorte foi aumentando conforme os dias foram passando. Ele tinha uma boa quantidade de comida e agua, seus portões eram reforçados e as janelas todas com grades, mas faltava uma arma, não que ele já tenha atirado alguma vez, mas a sensação de segurança seria maior.
Os cadáveres saiam e voltavam para seu portão e mesmo com o silencio absoluto e sem nenhuma iluminação, os mortos insistiam ali.
-- eu fiz tudo certo, mantive o silencio, não chamei a atenção e mesmo assim eles continuam aqui, parecem que sabem que tem alguém vivo, parecem que esperam na fila de um servi servisse e adivinha qual é o prato principal.
-- Já peguei todas as dicas possíveis da internet, mas parece que ninguém tem de fato algo de real, tudo foi baseado no que viram em filmes, chego a duvidar que vampiros tenham medo de alho.
A chuva fica mais forte, os pingos que caem nas telhas parecem metralhadoras estalando em um combate, sua mente tenta se acalmar Daniel, senta novamente em frente ao computador atrás de alguma novidade, mas continuam as mesmas, os canais de notícia não trouxeram nada nas últimas horas e as mensagens do twitter e facebook, continuam desencontradas, até os vídeos de ataques continuam os mesmos.
Quando ele começava a planejar uma movimentação pelas ruas da Vila Prudente, ouve uma batida fraca na porta e uma voz que sussurrava.
-- Me ajude, por favor, não aguento mais ficar aqui fora.
-- Por favor, senão eu começarei a gritar.
Daniel com seus uns metro e setenta e poucos, cabelos loiro claro e mais de cem quilos, levanta seu corpanzil e abre a porta com um pé de cama na mão, quando ele vê a figura pequena, magra, descabelada, com uma jaqueta que passa do joelho e toda molhada.
- Quem é você e como entrou aqui?
- Deixa eu entrar que te conto tudo o que você quiser
- Ok, entra logo
- Muito obrigada, eu sou a Kelly, moro na rua de baixo e no desespero pulei seu portão de madrugada e acabei sofrendo um corte na perna
O corte não era grande, mas foi o bastante para espalhar sangue na garagem.
- Droga, foi por sua culpa que eles continuam no meu portão, estão sentindo o cheiro do seu sangue, vamos fechar isso.
- Desculpe senhor, mas eu não sabia que eles sentiam cheiro do sangue
- Não me chame de senhor menininha, quantos anos você tem?
- Tenho doze, mas falam que pareço mais velha.
- É está bom
Daniel dá uma última olhada nos corpos mortos que se ajuntam em seu portão, e encara diretamente um zumbi alto e forte com um o braço direito destroçado até o cotovelo e com a caixa torácica aparente, ele vê a morte de pé e volta se trancar.
- Vamos para o banheiro Kelly, vou fechar isso antes infeccione.
A menina não responde nada e somente acompanha até o banheiro. Já no banheiro Daniel joga uma toalha em cima de Kelly e diz.
- Se lava que você está toda molhada e lava essa feriada enquanto vou procurar alguma roupa para você.
Ele sai e fecha a porta, Kelly assustada, como não poderia ser diferente, tranca a porta, joga sua roupa molhada no chão e começa a tomar seu banho quente, ela vai ficando relaxada e todo o cansaço e tensão dos últimos dias recaem em seus ombros e de repente, Kelly está novamente nos braços quentes de sua mãe dentro do quarto enquanto seu pai luta com um pedaço de madeira contra as pessoas que invadiram sua casa, o cheiro de podre toma o ar e os gritos de esforço aumentam cada vez mais.
- São muitos, não vou aguentar mais, se esconde com a menina.
E um grito de dor junto com um palavrão é emitido
-- Aiii, malditos saiam daqui, não, não, parem, parem HAAAAAAAAAA.
Kelly ouve duas batidas na porta e acorda se debatendo dentro da banheira gritando por seu pai.
- Kelly, se acalma e abre a porta, você está segura agora.
E Kelly percebe que tudo não passou de um pesadelo.
- Vamos Kelly, abre essa porta eu trouxe algumas roupas da minha irmã.
A menina tremula e pálida toda enrolada na toalha abre a porta só um pouco e pelo vão ele passa as roupas para ela. As roupas caíram como uma luva e por um momento ela pensou que as coisas poderiam voltar a ser o que eram.
- Já se vestiu?
- Já sim
- Então vou entrar para tratar de sua perna.
Quando Daniel segurou a perna da garota, viu que de fato o ferimento não era grave e nada que um mertiolate não dessa conta.
- Toma aí, põem isso na boca, pois vai arder bastante.
Sem perder tempo, Kelly morde uma toalha de banho enquanto Daniel passa o liquido em sua ferida.
- Humo, como arde.
- Pronto já passei, agora é só fechar.
Ele pega uma gaze, coloca sobre a ferida e a enrola com esparadrapo.
- Pronto em um ou dois dias já está melhor.
- Você está com fome?
- Sim, não como faz tempo.
Eles descem até a cozinha e Daniel começa a fritar uns bifes e alguns ovos.
- Olha é o que eu sei fazer.
- Para mim já está ótimo.
Kellly começa a comer o bife a cavalo como se nunca tivesse visto comida em sua vida, aquele era um manjar dos deuses, mas mesmo após se alimentarem, Daniel volta a pensar em sua saída de casa, ele tem comida e agua para uns bons dias, mas volta a pensar na arma.
- Menininha, vou ter que sair logo mais
- Aonde você vai?
- Preciso passar em um lugar e já volto
- Não vou ficar sozinha aqui
- Mas á fora é perigoso
- Eu sei disso melhor do que você
- E o que uma menina de dez anos sabe
- Sei que tenho doze anos, sei que minha mãe e meu morreram lá fora, sei que tem um monte de monstros também, sei que pulei seu portão e estou viva e sei que não vou ficar sozinha aqui, se você não voltar....
- Eu vou voltar
- Não vai não, meu pai disse que não iria morrer e morreu
- Não sou seu pai e sei o que fazer
- E o que um garoto gordo sabe fazer
- Não sou garoto, tenho 21
No meio da discussão, Daniel ouve o barulho de mensagem do WhatsApp, ele corre para pegar o celular, quando ele pega seu smart na mão vê que a mensagem é de seu pai, ele abre a mensagem e vê uma sequência de letras sem sentido nenhum e responde com “ o que isso significa? ”, espera um pouco e não houve resposta e nem visualização. O rapaz gordo se põe a chorar no meio da sala entendendo que aquilo era o fim de sua família.
Kelly se aproxima de Daniel, que chorava no chão, e passa a mão em suas costas como um gesto de solidariedade
- Não fica assim, sei que é difícil.
E os dois se abraçam e choram juntos a perda de suas famílias.
- Viu porque não quero ficar aqui sozinha?
Ainda choroso e fungando o nariz ele responde
- Eu entendi, ainda não tinha sentido a sensação de estar totalmente só, apesar de já estar sozinho a dias.
- Mas ainda precisamos de uma arma.
Ele olha para o pedaço de madeira em suas mãos
- Isso não vai aguentar muito tempo.
Kelly somente acena fazendo sinal de positivo com a cabeça
- Bom o plano é o seguinte, eu ia de bike até o posto polícia que fica no largo e voltaria o mais rápido possível.
- Esse era o plano? E se você for encurralado?
- Eles são lentos, mais lentos do que eu
- E você vai aguentar subir a rua toda correndo
- Acho que sim.
- Hahahahahahaha, duvido.
Daniel olha meio que com raiva daquele comentário
- E você?
- Bom eu sobrevivi lá fora por mais de vinte minutos, já está bom para uma menininha, não é?
- E como você vai tirar os monstros da sua porta?
- Não são monstros, são zumbis.
- Está são zumbis, mas como você vai tirar eles do portão?
- Ainda estou pensando nisso, antes de você aparecer não tinha nenhum
- A culpa é minha?
- Não foi o que eu disse.
A menina começa a ameaçar um choro.
- Não chora não, desculpa, a culpa não é sua. E é melhor a gente descansar para clarear as ideias.
E os dois se ajeitaram nos colchões que estavam no chão daquela sala quente.


Continua...............................................


Um comentário:

  1. Da hora. Imaginar que a Vila esta dominada por seres melhores que os da realidade. Kkkkkkk

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